(Reproduzimos aqui um artigo de Antonio Socci, publicado na Revista 30 Dias, edição brasileira, de janeiro de 1991, páginas 64-67, grifos nossos)-
SANTO HILÁRIO -
(Depois da morte de Ário, a sua heresia assumiu um aspecto ortodoxo. Hilário de Poitiers, como Atanásio, não se deixou enganar. Tornou-se motivo de divisão e luta na Igreja).
Ambrósio, um jovem funcionário do Império Romano, foi eleito bispo de Milão em 374 por aclamação popular, para sua grande surpresa: tinha sido batizado apenas oito dias antes. Uma coisa parecida acontecera alguns anos antes em Poitiers, cidade da Gália no extremo noroeste do Império. Em 350, a pequena comunidade cristã da cidade escolheu como bispo um intelectual jovem e rico chamado Hilário, convertido poucos meses antes. Hilário era casado e tinha uma filha. Ele também ficou surpreso com aquela escolha. Nos seguintes, se referiu a ela como 'o peso que me foi entregue'.
Naquela época, Poitiers era uma típica cidade de província. Tinha um bom nível econômico, estava distante das principais rotas comerciais e a população - pelo menos nas esferas mais altas - preferia a 'doce vida' em vez das atividades culturais. As escolas de prestígio, para os jovens mais ambiciosos, estavam em Bordeaux.
As primeiras notícias sobre a presença de cristãos em Poitiers remontam ao ano 300. Deviam ser poucos, na verdade. A comunidade recém-nascida era frequentada principalmente por pessoas simples. É possível que a Igreja nascente não tenha sequer despertado muita atenção na cidade.
Todavia, o caso de Hilário teve muita repercussão mais tarde. O jovem nascera por volta de 315 em uma rica família de patrícios, uma das mais importantes da cidade. A família era de estirpe senatorial e, naturalmente, pagã. Hilário tinha diante de si a perspectiva luminosa do sucesso ou, para usar as suas palavras, 'o doce sensualismo do ócio e da riqueza'.
Hilário era um homem da alta sociedade. Casou-se e sua mulher deu à luz uma filha logo em seguida. Aos trinta anos, já realizado, continuava a experimentar uma inquietude que não conseguia acalmar. Daí nasceu a sua paixão pela literatura, onde encontrava o pensamento da morte, o absurdo da vida, o desânimo diante da evidência da fragilidade de todas as coisas e a vida mesma engolida pelo nada.
Não sabemos como, mas este jovem de sucesso descontente com a vida conheceu o pequeno grupo de cristãos de Poitiers. Mais tarde, narrando essa experiência, escreveu: 'O meu espírito agitado e inquieto viu então brilhar um raio de esperança mais vivo do que esperava'. Depois de aprofundar a amizade com os cristãos, Hilário foi batizado em uma vigília de Páscoa. O anúncio de Cristo o dominou totalmente: 'Não devemos pensar que Ele deixou de ser Deus, mas que Deus veio na carne, em nada diferente de nós. O meu espírito abraçou esta doutrina com alegria. Assim, a carne me conduziu a Deus, a fé me chamou a um novo nascimento. A inteligência humana não interferiu no trabalho do meu espírito: o seu olhar era muito limitado para essa imensidão'.
Até aquele momento, a pequena comunidade vivia com simplicidade, dedicando-se unicamente ao apostolado e às obras de misericórdia. O próprio Hilário, uma vez eleito bispo - ou seja, depois de 350 - leu aos seus fiéis o Evangelho de São Mateus, explicando o significado. O bispo havia morrido naquele ano, e os fiéis escolheram Hilário para ocupar o seu lugar.
Nada sabemos sobre sua mmulher e sua filha. Hilário falava sobre si mesmo só por obediência. Sabemos, porém, que se dedicou inteiramente à sua vocação. Começou a pregar e provavelmente a partir daí a sua pessoa, a sua história e a comunidade cristã se tornaram um dos assuntos mais debatidos em e controvertidos em Poitiers. O temperamento forte e convincente de Hilário era do tipo que deixa marcas e obrigam a tomar posição. Naquele tempo, a Gália era quase completamente pagã. Por isso, Hilário não descansava. Ordenou muitos jovens da comunidade - inclusive Martinho, que acabava de deixar o exército e se estabelecera em Poitiers com Hilário - e construiu casas em que podiam viver em comum e ajudarem a anunciar o Salvador. A sua missão durou quase seis anos. Todavia, em 355 aconteceu algo decisivo para Hilário.
Na Gália, quase nada se sabia sobre a heresia ariana, que estava devastando a Igreja. Só o bispo de Tréves, que havia hospedado Atanásio durante um dos seus períodos de exílio, tinha algumas informações. Hilário não participou dos sínodos de Arles (353) e de Milão (355), que o imperador herege Constâncio havia convocado para condenar Atanásio e difundir o arianismo no Ocidente.
Não podemos dizer que Hilário conhecia os documentos da Igreja e a sua história recente, uma vez que disse muitos anos depois que 'nunca ouvira falar do Credo de Nicéia antes de ser exilado'. O Concílio de Nicéia se realizou em 325 e definiu o Símbolo católico, condenando definitivamente Ário.
Hilário não sabia de nada, mas 'os Evangelhos e os Apóstolos' lhe ensinaram o Credo de Nicéia, como escreveu anos mais tarde. Assim se explica a furiosa batalha que travou contra Saturnino, bispo de Arles e líder do arianismo na Gália, em 355. Para Hilário, era evidente que a salvação estava ameaçada, ainda que mantivesse uma aparência "católica". Ele nem precisou ler os documentos do Concílio de Nicéia: a fé era suficiente. 'Foi assim que aprendi, foi nisso que acreditei (...) Os ímpios doutores que o nosso século produz chegaram muito tarde para mim. A minha fé, na qual Tu, Senhor, me instruíste, não teve esses mestres. Antes que se falasse deles, eu confiei em Ti, e assim me regenerei em Ti'. Hilário dizia que 'a fé não é uma questão de filosofia' e que 'o seu ardor e o amor da sua verdade são ignorados pelo mundo e pela sua falsa sabedoria'.
Ário, o grande herege, já estava morto e o seu erro fôra condenado pela Igreja. Todavia, foi naquela época que o seu erro se alastrou por toda a Igreja, graças ao arbítrio do poder imperial de Constâncio e à máscara de ortodoxia. Ário negava claramente a divindade de Jesus; agora, havia um embuste sútil. Valente, Ursásio, Ausêncio, Gemínio e Gaio se diziam católicos mas na verdade eram arianos. Hilário dizia que eles "se disfaçavam de anjos de luz e cancelavam Cristo das inteligências e das consciências (...) Lembrai-vos que todos os hereges da hora presente se recusam a admitir que a sua pregação - que segundo eles é conforme à Escritura - é blasfema. Marcelo leu justamente que Jesus Cristo é o Verbo de Deus, mas de fato não sabe o que leu. Fotino, por sua vez, fala bem de Jesus Cristo como homem, mas ignora o que isso significa (...) Todos eles têm a Escritura nos lábios, mas não conhecem o sentido da Escritura: assim, sem ter fé, apelam para a sua fé!".
Esse é o tom da carta que Hilário enviou a Constâncio, enquanto tentava reunir os bispos da Gália para que renegassem o que haviam decidido em Arles sob a pressão de Constâncio. Hilário queria principalmente que a condenação de Atanásio, o grande e solitário defensor da verdadeira fé, fosse anulada e que os arianos fossem novamente condenados. Isso foi suficiente para provocar a ira do imperador, que mandou prender Hilário e o exilou na Ásia Menor com um decreto do Concílio de Béziers (356).
Assim, o Ocidente perdeu o seu Atanásio e ficou indiferente diante da heresia que minava a raiz da fé católica. Hilário, que tinha 40 anos, teve de deixar a sua terra, a sua comunidade e a sua família. A mesma sorte coube aos últimos bispos católicos: Eusébio de Vercelli, Osio de Córdova, Dionísio de Milão, Lucífero de Cagliari e o papa Libério, [então firme na defesa da fé,] aprisionado e humilhado por Constâncio.
A provação do exílio fortaleceu Hilário. Ele pôde conhecer a Igreja do Oriente e aprofundar o conhecimento do arianismo. Escreveu uma de suas obras mais importantes, o tratado Da fé contra os arianos, conhecido como De Trinitate. Escreveu também uma outra carta a Constâncio, mais dura e veemente que a primeira, na qual o acusou de sacrilégio contra Libério, sucessor de Pedro: 'Tu levaste a guerra até Roma, privaste-a do seu bispo e, desgraçado, não sei se foste mais ímpio expulsando-o ou exilando-o'.
Hilário participou do Concílio de Selêucia e soube dos resultados desastrosos do sínodo ocidental de Nike. A apostasia universal estava próxima; o Símbolo de Nicéia estava para ser substituído pelo Credo dos hereges, que pareciam ter conquistado a Igreja. Hilário estava angustiado e as suas palavras demonstram a sua ansiedade: "Os pastores devem gritar para que os mercenários se dispersem. Ofereçamos as nossas vidas pelas ovelhas, porque os ladrões estão dentro de casa e o leão nos rodeia". Era uma tribulação "jamais vista desde o princípio do mundo". Hilário diz que esse tempo era pior que o de Nero: "Eu teria certeza do triunfo diante de inimigos declarados, porque não teria dúvida que se trata de perseguidores, que querem que reneguemos a fé com suplícios, com o ferro e com o fogo (...) Mas hoje nós lutamos contra uma perseguição camuflada, contra um inimigo cheio de suavidade, como Constâncio, o Anticristo. Ele não dilacera as costas, mas afaga. Não desterra para a vida (eterna), mas enriquece para a morte. Não aprisiona materialmente (o que faria apreciar a verdadeira liberdade) mas honra no seu palácio para aprisionar. Não flagela os flancos, mas se apodera do coração. Não corta as cabeças mas mata a alma (...) Confessa Cristo para negá-lO; diz que se preocupa com a unidade (da Igreja) para impedir a paz (verdadeira), reprime as 'heresias' para que não hajam cristãos (...) Te leva a toda parte na sua boca e faz de tudo em todas as ocasiões para que Tu, Senhor Jesus, não sejas reconhecido como Deus, igual ao Pai".
Depois de três anos de exílio, Hilário era muito mais incômodo no Oriente que na sua pequena Poitiers. Segundo Sulpício Severo, os arianos começaram a denunciá-lo como "semeador de discórdia e perturbador do Oriente". Em 360, Constâncio resolveu mandá-lo de volta à Gália, onde foi recebido com entusiasmo.
Hilário foi o maior protagonista do Concílio de Paris (361), que excomungou os bispos arianos de Arles e Périgueux. Todavia, Hilário não se considerava o chefe de uma "facção" em luta com outras, mas um pastor da Igreja. Ele foi "o libertador da Igreja da Gália", como reconheceu Sulpício.
Nesse período, Martinho, em torno do qual começavam a se reunir jovens cristãos que queriam se dedicar totalmente a anunciar Cristo, voltou a Poitiers. A antiga amizade se reforçou depois de anos de perseguições e aventuras que os levaram às extremidades do mundo. Ambos tinham muita coisa a contar e estavam preocupados com o estado da Igreja. Martinho descreveu a Hilário a trágica situação da Itália setentrional, sobretudo a perfídia de Ausêncio, bispo de Milão, que o expulsara daquele território. Hilário ficou impressionado e decidiu continuar a batalha na Itália, com Eusébio e Vercelli.
Hilário partiu para Milão e convocou todos os bispos italianos para destituir Ausêncio, que havia usurpado a cátedra expulsando o bispo Dionísio. No seu Liber contra Auxentium, Hilário o chama de "anjo de satanás, inimigo de Cristo, maldito devastador de almas, renegador da fé confessada com a mentira e ultrajada com a blasfêmia". Os inimigos de Hilário tinham razão em denunciá-lo como fomentador de divisões e lutas na Igreja. Hilário realmente o era, e o foi desde o início, intuindo que "sob o belo nome de paz nós caímos aos poucos na unidade da heresia". Depois da terrível luta daqueles anos, havia um grande desejo de recuperar a paz e a unidade na Igreja, e o poder político fazia disso uma bandeira para justificar a intervenção na vida da Igreja. Hilário, porém, prosseguiu a sua luta contra Auxêncio, ainda que fosse acusado de louco semeador de discórdia na Igreja por causa disso. "O nome da paz é certamente admirável, e belo é o pensamento da unidade, mas quem pode pensar que exista outra paz e outra unidade fora da paz e da unidade da Igreja e do Evangelho, ou seja, de Cristo". Em outras palavras, a "unidade da heresia" não é a unidade de Cristo.
Apesar disso, Hilário não conseguiu expulsar Auxêncio, que contava com o apoio do poder imperial. Naquele período, sucederam-se no trono imperial Constâncio, Juliano o Apóstata e Valentiano. Auxêncio permaneceu em Milão até a morte, em 373. Hilário voltou a acusar o poder imperial, que estendia os seus tentáculos dentro da Igreja. Assim, ele retoma as idéias das cartas a Constâncio, porque "todo aquele que renega que Cristo é exatamente como foi anunciado pelos Apóstolos, é Anticristo". A peste ariana, que quase prevaleceu, pulverizou-se ao encontrar a fé de Atanásio e Hilário. No final de 367, o grande Hilário morreu na sua cidade. Combateu o bom combate e deixou uma herança: "Unum moneo: cavete Antrichristum" (Uma só advertência: cuidado com o Anticristo).
Comentário:
Vejam como nossos Santos antigos tiveram de combater em nome da fé e na defesa da Igreja. Chamo a atenção para os textos grifados e para as palavras duríssimas que São Hilário aplicava e atirava diretamente na cara do ímpio imperador. Eles não temiam nada, movidos por uma fé profunda, uma força superior que lhes era dada pelo Espírito Santo. Não se pode combater hereges - cegos e surdos - ou suas heresias, com flores e fagos. Suas almas brutas só abrem a máscara quando chocalhadas até o esqueleto. O tempo das flores está se esgotando, chegam os espinhos...
Hoje temos a mesma situação, na época o Arianismo que negava a divindade de Cristo, hoje o modernismo, que subverte toda a doutrina de Jesus. No que O nega de uma forma ainda mais profunda. Se na época o Bispo Ario era um, com alguns filhos das trevas em seu apoio, hoje são muitos, e milhares os que sopram avivando suas brasas de orgulho, seu corações embebidos de vaidade teológica.
Santo Hilário não era teólogo, não sabia das decisões conciliares, mas tinha na fé o sentido da doutrina e este sentimento que brota na Verdade do Espírito Santo, num átimo entende e percebe os ardís, os enganos, as mentiras torpes que os hereges inventam, dando porém a face de Cristo, de Igreja, de Verdade. Quando são mentiras torpes!
Por outro lado são coisas que crianças de boa catequese compreendem, sentem, e fazem impregnar na alma e para toda vida. Elas percebem que desobedecer ao Papa é sinal de falência da Igreja pela quebra da Unidade. Crianças de boa Catequese sabem que negar os Dogmas é trair a Igreja e cuspir em Cristo. Crianças de boa e santa catequese sabem que nossa igreja verdadeira chama-se CATÓLICA, e não latina...
Elas percebem facilmente os artifícios da mentira, e não precisam de cursos teológicos nem diplomas de doutoramento. Isso crava na alma e dela nunca mais desaparece. Tais pessoas são as que mantém a Igreja de pé no que humanamente nos cabe. Não são doutos ou teólogos que a fazem isso.
De fato, pela face humilde da fé, percebe-se claramente que se existe a necessidade de teólogos e doutores, é apenas por um motivo: COMBATER aos hereges, e criadores de falsas doutrinas! Mas o que se observa hoje? Acham-se por aí milhares de teólogos, exatamente para perverter a Doutrina. Os bons e grandes defensores da fé são humildes, não aceitam títulos nem comendas. Se não houvesse criadores de falsas doutrinas, todos seríamos crianças de Deus.
Ele se revela apenas aos pequeninos, e se esconde dos teólogos. Aprendamos da lição de Santo Hilário: quando nos levarem aos tribunais, deixemos que seja o Espírito Santo a falar, Ele nos dará a sabedoria das respostas, Vem aí a mais tremenda de todas as batalhas espirituais. O amor, a fé, a humildade, a oração, a vida sacramental... Sob o sopro perfumado destas armas "inofensivas", cairão uma a uma todas as heresias, os modernismos, a anti-igreja.
Peçamos a intercessão de Santo Atanásio, Santo Hilário... e santo.... (este é segredo para o momento certo, pois era um dos da torre. E podem crer, ele deve estar de joelhos agora no Céu inercedendo pela Igreja)
Aarão