O anseio mais profundo de todo o ser humano é ser feliz.
Ser homem ou mulher, casar, ser sacerdote, Presidente da República, taxista? são questões secundárias e relativas.
O decisivo e transcendente para a pessoa é ser feliz.
Um estudo do National Opinion Research ( norc) da Universidade de Chicago, realizado durante mais de três décadas (1972-2006), entre mais de 27 mil pessoas, demonstra que a felicidade pode não ter muito ou mesmo nada a ver com a remuneração no trabalho. Segundo este estudo, as pessoas mais felizes não são as que ganham muito, mas as que ajudam os outros. No topo da lista aparecem os padres, como as pessoas que se sentem mais felizes na sua "profissão".
Tom Smith, Director-geral do NORC, ficou surpreendido com as conclusões: «Esperávamos que os trabalhos mais prestigiados e remunerados fossem os que proporcionassem maior satisfação e felicidade, mas as profissões melhor classificadas são as que implicam cuidado e ajuda aos outros.»
Viver é colocar-se ao serviço da Vida. Ser feliz é colaborar na felicidade dos outros.
O caminho de Francisco
O jovem Francisco de Assis viveu uma fase turbulenta de três longos anos na busca dos caminhos da felicidade: «Senhor, que queres que eu faça?» E a resposta veio. Eis a dinâmica descrição do seu biógrafo Tomás de Celano:
«Um dia, ao ouvir a passagem do Evangelho que refere ter o Senhor enviado os discípulos a pregar, o Santo, que dessa passagem apenas intuíra o sentido geral, celebrada a Missa, pediu ao sacerdote que lha explicasse. Comentou-lha o sacerdote ponto por ponto, e Francisco, ao ouvir que os discípulos de Cristo não deviam possuir nem ouro, nem prata, nem dinheiro, nem bolsa, nem pão, nem bordão para o caminho, nem usar calçado, nem duas túnicas, mas somente pregar o Reino de Deus e a penitência, imediatamente exclamou, exultando no espírito do Senhor: "Isto mesmo eu quero, isto peço, isto anseio poder realizar com todo o coração". Transbordante de alegria, apressa-se o Santo Pai a concretizar o salutar conselho» (Vida Segunda, nº 22).
Trata-se de uma vocação evangélica. Mas com repercussões evangelizadoras: viver o Evangelho e anunciar esta Feliz Notícia aos outros. Com júbilo e alegria. É a vida em plenitude. É a felicidade ao alcance de uma página do Evangelho. Na verdade, a vida segundo o Evangelho é o coração da vocação franciscana!
No nosso tempo
Agosto de 1984. Do Brasil chegou-me uma carta com um testemunho impressionante. Li-a em vários cursos bíblicos e noutras actividades, ocultando sempre os dados pessoais do remetente. Pediram-me cópias. É o momento de lhe dar maior divulgação através, da bíblica.
Interessa-me, neste caso, proclamar bem alto, com o autor da Carta aos Hebreus, que «a Palavra de Deus é viva, eficaz e mais afiada que uma espada de dois gumes; penetra até à divisão da alma e do corpo, das articulações e das medulas, e discerne os sentimentos e intenções do coração» (Heb 4,12). E que, neste trambolhão, também esteve metido o Poverello de Assis.
A carta, escrita à mão, é dirigida ao Superior Provincial dos Franciscanos Capuchinhos de Portugal, que o autor julgava ser o Padre Francisco da Mata Mourisca, Bispo de Uíje, em Angola, desde 1967.
Transcrevo-a na íntegra, respeitando os sublinhados:
«Meu nome é [?], sou brasileiro, solteiro, 45 anos de idade, ateu praticante desde a mocidade, Doutor em.... Professor de... e Jornalista; actualmente resido em [?]. Fiquei bastante impressionado após ler uma Bíblia já velha e rasgada, editada em Lisboa - Portugal, e nunca mais pude ficar sem rever, vez por outra a Palavra de Deus! Essa Bíblia fora deixada num banco de jardim, por acaso, e eu a encontrei e trouxe comigo. (São apenas algumas páginas encardidas). Entre as folhas do citado Livro, estava também uma estampa com o nome - São Francisco de Assis - ao lado de maravilhosa oração.
Hoje, eu me sinto um novo homem, passei a crer num Deus poderoso, e amo profundamente o Santo de Assis, mesmo sem conhecer nada a respeito dele, e até sem frequentar nenhuma denominação religiosa! Fui um homem devasso e hipócrita, amigo de orgia e perdição, caluniador de Padres e Pastores, ofensor da Igreja!!! Mas eu mudei muito... e para melhor!
Querido Padre Provincial, não nos conhecemos em pessoa, mas seu nome estava numa das páginas da Bíblia rasgada que encontrei, por isso eu o amo de todo o coração como a um guia espiritual! E aqui estou escrevendo a V. Excia. Revdma., para lhe agradecer pelo Bem que me fez, salvando-me de um gesto impensado; naquele dia em que achei a Bíblia rasgada eu ia exactamente suicidar-me com um revólver!!! Eu já estava cansado de levar uma vida cheia de álcool e homossexualismo! Deus acabou com meus vícios...e a velha Bíblia foi a minha Psiquiatria.
Por favor, presenteei-me com uma Bíblia nova, editada aí em Lisboa, e mande-me também alguns livros sobre doutrinação católica e ainda uma vida de São Francisco!
Antecipadamente grato por tudo, e aguardando para muito breve a sua honrosa resposta, fico alegre em Jesus, repetindo a primeira frase que eu li na Bíblia encontrada: «Tudo posso naquele que me sustém» [Fl 4,13]. E Jesus, meu amado Padre Francisco, me susteve mesmo, da perdição eterna!!!
Suplicando uma bênção apostólica e aguardando, outrossim, toda a felicidade do mundo a V. Excia. e a toda a Nação Portuguesa, sou o irmão em Jesus e agora um crente fervoroso em Deus:
Respeitosamente, Dr. [?]
(Ore muito por minha pessoa, Padre).
Da morte, para uma vida feliz
Cristo, a sua Palavra, a presença de Francisco de Assis? Eis o segredo para uma reviravolta na vida. Melhor: a passagem da morte para uma vida feliz e em abundância.
Posso acrescentar que entre o Sr. D. Francisco da Mata Mourisca e o autor da carta se estabeleceu um diálogo pessoal, familiar e fecundo. E sei também que este "convertido" pela Palavra de Deus se transformou num zeloso apóstolo entre pessoas de risco.
É sempre assim. Quem experimenta a ternura e a misericórdia do amor do Pai, encarnada em Cristo Jesus, torna-se arauto incansável do seu projeto: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10,10). Tinha razão Charles Chaplin: «O homem não morre quando deixa de viver, mas sim quando deixa de amar».
Frei Acílio Dias Mendes