Tocai a trombeta em Sião, convocai para um jejum,...(Joel 2,15)
No início dos 40 dias consagrados à penitência, a Igreja se vale da voz augusta dos profetas para nos exortar a renovar-nos dentro da graça de Deus.
Bem-aventuradas as almas que respondem a este convite solene; pois se aproxima o dia em que a trombeta do Arcanjo anunciará o fim das provações terrenas. Então o tempo da penitência terá passado, e as lamentações serão inúteis. É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação. (II Coríntios 6,2).
Façamos portanto agora, sem demora, aquilo que, no último dia, gostaríamos de ter feito. Peçamos a Deus que Ele provoque em nós o arrependimento de nossos pecados, e que nos dê um coração contrito e humilde.
A penitência não consiste apenas das abstinências ou mortificações corporais; ela diz respeito sobretudo ao coração, à vontade e à conduta.
Fazer penitência é desligar nosso amor de todas as afeições viciosas, para amar puramente nosso Deus;
é renunciar a todas as satisfações passageiras, para obedecer filialmente à Vontade de Deus;
é reformar as imperfeições de nossa conduta, para viver santamente segundo a lei de Deus;
em resumo, fazer penitência é trabalhar a destruição do homem velho, para proporcionar a ressurreição do homem novo. Mas o espírito de penitência não saberá animar aqueles que se julgam justos e virtuosos;” Estas são as sábias palavras de Théodore Ratisbonne, o célebre judeu convertido ao Catolicismo.
Do tempo dele para hoje, aumentaram tanto as heresias, que poderíamos acrescentar: o espírito de penitência também não saberá animar aqueles que já se conformaram com os próprios pecados e acham que não precisam mudar, dizendo sempre “Deus nos ama como somos.” O que é verdade, mas não assim...
Ratisbonne continuou, dizendo: “O espírito de penitência não se dá senão àqueles que têm consciência de seus males espirituais, e que, se intitulando pecadores, imploram a misericórdia do Salvador.”
Nosso Senhor nos diz no Evangelho: Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem não faz conta de sua vida neste mundo, há de guardá-la para a Vida Eterna.” (João 12,25). Que significam estas palavras?
“Nós temos neste mundo duas vidas distintas.
Uma é aquela da natureza viciada no pecado, cujas raízes são o egoísmo e a vontade própria; é a vida da carne e do sangue que nós chamamos de homem velho.
A segunda vida é introduzida em nós pelo Batismo: vida sobrenatural na qual Jesus Cristo é o princípio e a origem; é o homem novo que se desenvolve nas condições de seus destinos sublimes.
Estas duas vidas têm direções opostas: uma coloca seu amor nas coisas da terra; a outra coloca suas esperanças no Céu.
Nossa salvação ou nossa condenação depende da escolha que fizermos entre o que é passageiro e o que é eterno: nós viveremos onde nós tivermos colocado o nosso amor.
Quem quer que seja, perderá inevitavelmente sua alma, se amar a vida como ela aparece no mundo, com suas paixões, seus instintos, suas concupiscências. O Evangelho nos ensina a odiar este tipo de vida, para nos salvar; foi dito que é necessário combater, para sujeitar a carne ao espírito, e o amor-próprio ao amor de Deus. A santidade do homem novo não surge senão sobre as ruínas do homem velho.”
“Pois onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração.”
Santo Evangelho, Mateus 6,21