CATEDRAL EM FESTA

Templo em estilo neogótico foi edificado nos fundos da antiga matriz.

A Paróquia São João Batista de Santa Cruz do Sul, sede  de uma das mais importantes catedrais da América Latina, completa 150 anos de fundação na terça-feira. A data será comemorada neste domingo, com missa festiva e almoço no centro comunitário.

O dia 6 de julho de 1860 é um marco na história do município. Na ocasião, os 3,3 mil habitantes da Povoação de São João de Santa Cruz, metade dos quais católicos, comemoraram a chegada do seu primeiro vigário, o padre Manuel José da Conceição Braga, vindo de Rio Pardo. A data assinala a instituição da Paróquia São João Batista. Eles jamais poderiam imaginar que aquele acontecimento teria reflexos na vida religiosa, educacional, cultural e social da comunidade pelos séculos afora.

A criação da nova paróquia havia sido autorizada pela Arquidiocese de Porto Alegre em 13 de dezembro de 1859. Ela se desmembrou da Paróquia Nossa Senhora do Rosário, de Rio Pardo, que já existia desde 1762. Animada, a comunidade logo se empenhou na construção de uma capela, que se localizava na Rua Ramiro Barcelos, na frente da atual catedral.

Em 1861, o padre Manuel solicitou transferência. Sem saber falar alemão, tinha grandes dificuldades para se comunicar com a população e optou por sair. Mesmo sem vigário, o trabalho em prol da capela foi mantido. Por quase dois anos, a paróquia passou a ser atendida por sacerdotes visitantes, especialmente jesuítas, procedentes de São Leopoldo.

Matriz

Em 1863 chegou o novo vigário, o jesuíta José Stüer. Coube a ele, em 24 de junho daquele ano, inaugurar a primeira capela matriz, e dar início à grande obra dos seguidores da Companhia de Jesus, ou Sociedade de Jesus (SJ), no município.

Sede da diocese de Santa Cruz do Sul, neste domingo, às 10h15, a paróquia da catedral realiza missa festiva para comemorar seu sesquicentenário. Conforme o pároco Orlando Pretto, o fato de 6 de julho cair em dia útil fez com que a comemoração fosse antecipada. A expectativa é de que a igreja esteja lotada. Ao meio-dia, haverá almoço no centro comunitário, na Rua Marechal Deodoro.

Missa festiva

A missa festiva deste domingo, às 10h15, será presidida pelo bispo diocesano dom Sinésio Bohn. Também participam ex-párocos e ex-vigários.

Conforme o padre Orlando Pretto, os fiéis serão recebidos, na entrada da catedral, pela banda do 7º Batalhão de Infantaria Blindado (BIB). Em seguida, ela puxa a procissão ao interior do templo. Durante a missa, haverá canções entoadas pela banda e outras a cargo de organistas e corais.

Ao longo da celebração, ocorrerão momentos especiais. Crianças vestidas de anjos, por exemplo, vão lembrar o Dia de São Pedro e São Paulo e o Dia do Papa. Outras vão destacar o trabalho desenvolvido pelas pastorais, associações e movimentos, bem como as atividades de evangelização realizados pela paróquia.

Outro momento importante será a homenagem às antigas entidades evangelizadoras. As suas bandeiras e estandartes, algumas escritas em língua alemã e datadas do século 19, serão levadas para o altar. O objetivo, segundo o padre Orlando, é ressaltar a grande importância que tiveram na expansão e solidificação da fé na paróquia.

Depois da missa, a banda do BIB vai acompanhar os paroquianos até o centro comunitário. No local, haverá almoço de confraternização e homenagens.

A majestosa Catedral São João Batista

Depois de duas ampliações da igreja matriz, em 1863 e 1901, em 1925 a comunidade cristã decidiu pôr à prova a sua fé e a capacidade de mobilização. Naquele ano, sob a liderança do padre Alfredo Bley S.J., foram iniciadas as campanhas para a construção de uma nova matriz, que deveria ser “ampla, bela e sólida”, capaz de, no futuro, ser a catedral sede da diocese de Santa Cruz do Sul.

Depois de muitos debates sobre a localização, e de um grande concurso para definir o estilo arquitetônico do templo, em 5 de fevereiro de 1928 foi lançada a pedra fundamental. Por interferência do arcebispo dom João Becker, a construção foi realizada nos fundos da matriz. O projeto escolhido foi o do arquiteto Victorino Zani. Mas, por pressão da comunidade, foi deixado de lado e executado o do arquiteto Simão Gramlich.

O templo, no estilo neogótico, com 80 metros de comprimento, 34 metros de largura e duas torres com 83 metros de altura cada, foi um marco arquitetônico estadual e nacional. A obra, toda paga pela população católica de Santa Cruz, custou em torno de 900 contos. A inauguração ocorreu em 24 de dezembro de 1939, sem festa.

Padres jesuítas deixam obra inigualável

Hospital Santa Cruz, na inauguração, em 1907: outra iniciativa dos jesuítas.

Com a fixação do padre José Stüer S.J. na paróquia, a Companhia de Jesus assumiu a missão de difundir a fé católica na povoação. Os jesuítas atuaram em Santa Cruz do Sul até por volta de 1970 e deixaram iniciativas impagáveis, não só na religião, mas também nas áreas social, da saúde e da educação.

A Catedral São João Batista pode ser apontada como a principal marca da congregação, mas não é única obra fruto da liderança dos jesuítas. Em 1871, o então pároco Agostinho Lohmann S.J. fundou a Escola Paroquial, que funcionava onde hoje é a Joalheria Kothe, na Rua Marechal Floriano. Os jesuítas mantiveram o educandário até 1903 quando, a convite deles, vieram os Irmãos Maristas. No mesmo local, criaram o Colégio São Luís.

Em 1874, mobilizaram a comunidade em mais uma empreitada: a construção de um colégio para meninas. Eles formularam convite às Irmãs Franciscanas que, naquele mesmo ano, chegaram à povoação. Ainda em 1874, já era inaugurado o novo educandário, batizado de Sagrado Coração de Jesus, na esquina das ruas Ramiro Barcelos e Marechal Deodoro. Parte do antigo prédio ainda existe nos fundos do atual Colégio Dom Alberto, ao lado da Catedral.

Em 1890, com a chegada do pároco Francisco Suzen S.J., foi iniciada outra mobilização, agora para construir um hospital. Em 1905, foi lançada a pedra fundamental e feito o convite para que as Irmãs Franciscanas administrassem a instituição. Em 10 de novembro de 1907, era inaugurado o Hospital Santa Cruz.

Bispado

De 1911 a 1913, foi erguida a nova Casa Canônica, na Rua Marechal Deodoro esquina com a Ramiro Barcelos, onde os jesuítas residiram até 1959. Naquele ano, o imóvel foi doado para ser sede do bispado da nova diocese de Santa Cruz do Sul. Junto, foi cedido todo o terreno que fazia frente com a Rua Ramiro Barcelos até a Thomas Flores. Na área, hoje está construído o Supermercado Miller, a Livraria Diocesana e, na Thomas Flores, o novo bispado.

Os jesuítas ainda construíram a capela do Hospital Santa Cruz, em 1922, e a Casa de Retiros Loyola, em 1956. Também promoveram duas ampliações da antiga Igreja Matriz, antes da edificação da catedral.

Restauração já consumiu R$ 4 milhões

Em 1989, a pedido do padre Orlando Pretto, foi realizado um levantamento da situação da catedral. Os estudos apontaram a necessidade urgente de sanar problemas no telhado, nas paredes e fundações, especialmente os de infiltração de água.

A Paróquia São João Batista, através da sua diretoria, iniciou ampla mobilização para arrecadar os recursos necessários à obra. Já em 1992, foram trocadas 300 telhas de fibrocimento, para conter vazamentos. Em junho de 1996, foi lançado o grande projeto de restauração, que atingiu toda a parte externa do prédio. Ele foi concluído em 2006 e, segundo o pároco, já consumiu R$ 4 milhões. Do montante, 70% foram arrecadados junto à comunidade. O restante veio através de doações de empresas e das leis de incentivo à cultura.

A próxima etapa dos trabalhos, que ainda não tem data para iniciar, atingirá a parte interna, incluindo a iluminação, o som e a revisão das pinturas realizadas pelos artistas Arno Seer e Roman Riesch. O custo ainda não foi estimado.

Bispado foi Casa Canônica dos jesuítas e, depois, sede da nova diocese.

Colégio Dom Alberto: nos fundos ainda existe o antigo prédio para meninas.

Catedral é admirada pelo mundo

Padre Orlando: luta pela restauração.

O padre Orlando Francisco Pretto é considerado o principal artífice da restauração da catedral. Ele, no entanto, atribui isso à comunidade, às pessoas que, voluntariamente, dedicam horas de suas vidas a esse grande monumento da fé e da cultura. “Os antepassados nos deixaram este templo magnífico. O mínimo que podemos fazer é preservá-lo.”

O pároco atuou em Santa Cruz de 1963 a 1967, quando foi transferido para Rio Pardo. Ao retornar para dirigir a paróquia, em 1988, disse que colocou como uma de suas metas a restauração da catedral. “Temos centenas de exemplos, por todo o Brasil, de prédios históricos sendo deteriorados. Não podemos permitir que isso ocorra com a nossa catedral.”

Garantiu que a sua proposta sempre contou com o apoio da comunidade, mesmo de pessoas não ligadas ao catolicismo. A catedral, no seu entender, transcende qualquer divergência de credo.

A igreja é considerada a maior em estilo neogótico da América Latina. Conforme o padre, há alguns meses um santa-cruzense que estava no aeroporto de Paris recebeu um folder com os principais pontos a serem visitados em cada região. Entre as quatro indicações para o Rio Grande do Sul, constava a Catedral São João Batista.

 

3 de julho de 2010 por Silvana Losekann