MEU SENHOR E MEU DEUS

MEU SENHOR E MEU DEUS

         Embora acreditando – não posso renunciar a pensar, porque só pensando, posso na realidade acreditar. E digo isto, não porque o pensamento seja capaz de compreender tudo, mas unicamente porque também o mistério está contido no horizonte irradiado da luz do ser, que torna inteligível, a totalidade do real. Aludo a essa margem de inteligibilidade que torna aceitáveis também as verdades da fé, justificando-lhes a revelação. De fato, para que fim serviria esta, se não revelasse nada ao pensamento humano? Por conseguinte, o dogma eucarístico é compreensível: se os seus elementos se perdem no mistério, contudo, este não foge aos princípios do ser; neste caso, que nos restaria pretender?

          Ouso acrescentar que resta muito pretender de um Mistério que os resume a todos, mesmo que justamente por isto levante problemas enormes, que têm empenhado as mais acutilantes e robustas inteligências do passado.

          Como é possível que um minúsculo fragmento de pão contenha o Imenso?... Que Jesus esteja presente numa hóstia inteira e em cada uma das suas partes?... Que a Sua presença – agora, há já milhares de anos – se realize, sem multiplicar-se em mais lugares e tempos, contemporânea e sucessivamente, mantendo-Se ELE sempre idêntico a Si Mesmo em toda a parte: adorado e ofendido, celebrado e feito objeto de profanações turpidíssimas, e mesmo indescritíveis?

         A primeira luz começa a brilhar na Idade Média, pela adoção de um termo que o Magistério não tardou a fazer seu: a transubstanciação.  A qual porém, não tendo algum verificação na natureza, representa um fato, não apenas estranho à investigação cientifica, mas também superior a toda a possível confirmação filosófica.

          Com efeito, as transformações do mundo físico são um dado de primeira experiência: basta pensar naquelas que condicionam a conservação dos organismos, desde o nascimento até à morte... Transformações consentidas pela matéria-prima, sujeito potencial que passa de um modo de ser para um outro, resultando a corrupção do primeiro e a geração do segundo. Na transubstanciação, pelo contrário, também a matéria-prima do pão consagrado se converte na do Corpo de Cristo, pelo que a mudança ou mutação é total e, por conseguinte, naturalmente impossível.

          Portanto, a elaboração teológica do dogma, embora formando um termo altamente expressivo do processo, não apenas o não explica, como também lhe faz realçar o caráter prodigioso, levantando deste modo os problemas que lhe são conseqüentes e que, como veremos, acabariam por ser inteiramente insolúveis, se tivesse de renunciar à metafísica do ser...

          Mas os problemas não existem para aqueles que reduzem “a presença real de Cristo na Eucaristia a um simbolismo, pelo que as espécies consagradas não seriam senão sinais eficazes da presença de Cristo e da sua íntima união, no Corpo Místico, com os membros fiéis” (Pio XII, Humani generis, 16).

          Precisamente a tese protestante, que nega o Sacrifício Eucarístico e por conseguinte o sacerdócio ministerial, a Igreja como sociedade visível, capaz de um magistério infalível, sem o qual seria absurdo pretender conhecer a única Verdade verdadeira e certa, que salva do desespero.

 

Se Jesus mo diz e a Igreja mo confirma com cada vez mais vigor, creio na Sua Presença. Bem diversa daquela que devo atribuir-Lhe porque imenso, igual ao Pai.... Por que, como Verbo, vive no “templo” de cada alma em graça; porque, como Mediador, entre o Céu e a Terra, enche de Si Mesmo o Universo e a História...; porque, Cabeça do Corpo Místico, vivifica, com o Seu Espírito, todos os seus membros, inspira as Escrituras, fala e opera nos Seus ministros.

         Todas as formas de uma presença indiscutível e indiscutida, como infelizmente não é a eucarística, pela qual o verbo Incarnado permanece conosco, não menos realmente de como quando vivia na Palestina: os Protestantes recusam-se a acreditá-lo.

          Para disso estar certo, basta-me aderir ao Magistério, que fala de transubstanciação, prodígio que exclui o absurdo em que cairíamos, se acabasse por supor que pão e vinho passam a ser o próprio Deus.

          A Igreja não afirma sequer que passem a ser a Pessoa do Verbo e tão pouco a Sua alma, componente essencial da natureza humana por Ele assumida: a matéria não poderá nunca sublimar-se, a ponto de transformar-se no espírito. Com efeito, a transubstanciação verifica-se ao nível de duas substâncias materiais: o pão e o Corpo de Cristo; pelo que, o prodígio está contido na área do mundo físico, excluindo o salto entre categorias de gênero diverso.

          Isto demonstra a necessidade da Incarnação que, salva a união hipostática, é humanização e mesmo materialização de uma Pessoa Divina. Por conseguinte, pela transubstanciação, parece que Jesus tenha querido de certo modo continuar a viver no espaço e no tempo, homem no meio dos homens, satisfazendo, acima de tudo, a mais fundamental função biológica do alimento dos corpos, entendida como símbolo da bem mais vital necessidade das almas, abertas à comunhão de amor com Deus.

       Por conseguinte, não se realiza a Eucaristia sem a Incarnação: o pão consagrado pode passar a ser o Corpo de Cristo, apenas porque “o verbo Se fez carne”.

         Mas não basta comunicar com o Corpo de Cristo; quem ama deseja comunicar com Ele, Pessoa Divina, a quem pertence o corpo. Corpo vivificado por uma alma...; alma e corpo, componentes da Sua natureza humana...; contudo, natureza humana que não é Ele. Mas no entanto, não sendo o próprio Verbo (com o qual se quer encontrar e dialogar)¸esta natureza é Sua e, por ela, atinge-se esse mesmo Verbo sem nenhuma outra mediação criada.

          Se, portanto, o pão se torna o Corpo de Cristo, e se Cristo é o Verbo, certamente eu comungo, com o Corpo do Verbo, com o Corpo de Deus, ou seja, com o próprio Deus, que torna adorável a carne concebida no seio da Virgem Maria e sofreu Paixão e Morte.

          Sei que posso comunicar com Deus, adorando-O em espírito e verdade, e isso, não tanto valendo-me da abstração metafísica, quanto supondo a graça e o exercício da fé, como foi o possível aos Patriarcas, aos Profetas, aos Justos da antiga Lei. Mas tratou-se então de relações com Deus inteiramente privilegiadas, superiores à psicologia humana, condicionada ao sensível em todas as conquistas que transcendiam o nível da experiência.

          Ora, o vértice mais sublime de todo o sensível criado e susceptível de se criar é a humanidade de Cristo, substancialmente unida à Pessoa do Verbo, única Via que, iniciando pela Sua componente corpórea, atinge imediatamente o Seio do Pai.

         Precisamente a componente corpórea que, pelo Pão Eucarístico, nos faz ter acesso ao Deus vivo.