O MAIS ALTO DOS PRODÍGIOS

O MAIS ALTO DOS PRODÍGIOS

Ao silêncio e à adoração, prefiro agora satisfazer a necessidade de entrever a verdade do mistério eucarístico, tentando-lhe uma interpretação que não tem a presunção de a prejudicar nos esquemas ou pelos esquemas da razão, mas tende unicamente a torná-la credível.

          Foi sempre esta a especifica função da investigação teológica que, ao serviço do Magistério, tem atingido a filosofia do ser, para tornar inteligíveis. Pelo menos, os termos do dogma.

         O primeiro dos quais é a transubstanciação que, em relação à substância, foi rejeitada pelo empirismo e pelo fenomenismo, chocando ou combatendo contra um dos primeiros dados do pensamento humano espontâneo, universal.

          Ao nível da reflexão, ela não pode senão definir-se como essência ou sujeito que em um próprio ato de ser, pelo qual existe em si, de um modo autônomo. Se a substância, por isso, não fosse real, não existiria nada, incluso quem tem a presunção de a negar.

         Ora, a substância é o pão de trigo, ázimo ou fermentado, mistura de moléculas de natureza várias, com propriedades especificas e elemento-base do alimento humano, incluído entre os alimentos tomados por Jesus e pelos Apóstolos na Última Ceia.

          É precisamente o pão que o Mestre transforma inteiramente no Seu próprio Corpo, bastando que Ele o declarasse como tal: a Sua palavra, que tinha tirado o mundo do nada, agora, realiza a total conversão da substância do pão na substância do Seu Corpo. Este, o vivo conteúdo do Mistério Eucarístico.

          Para o não deturpar, é necessário supor que:

          - A transubstanciação, segundo o dogma, não deve entender-se no sentido em que a natureza do pão seja assumida pela Pessoa do Verbo, como aconteceu na Incarnação;

         - Que o pão, pelo metabolismo, seja assemelhado ao Corpo de Cristo, como se verifica nos alimentos de que nos alimentamos:

         - Que o mesmo pão receba de Cristo a virtude divina que santifica os fiéis que comungam; neste caso, a Eucaristia não se distinguiria dos outros sacramentos enquanto a verdade é que Ela os transcende a todos:

         - E muito menos ainda que o pão, pela consagração, se torne um símbolo da presença e poder sobrenatural de Cristo; pelo que não teríamos a transubstanciação, permanecendo o pão ontologicamente como era antes.

          Estas, as interpretações heréticas, rejeitadas pela Igreja, que insiste na transubstanciação, proposta como conversão, que não equivale à destruição do pão, nem à criação do Corpo de Cristo: destruição e criação excluídas da continuidade do processo conversivo de uma substância numa outra... Muito mais, que do pão ficam os acidentes, e que o Corpo de Cristo é já real e, sendo ressuscitado, não sofre alterações.

          A unidade do processo agora apresentado, é análoga àquela pela qual, nas combinações químicas, a matéria-prima não é destruída mas passa de uma forma (da substância corrompida) para uma outra (da substância gerada). Ora, no passar, a passagem da potência ao ato é sempre imediatamente de alguma coisa que faz as funções de sujeito: do nada não pode vir nada.

          É precisamente o sujeito que, nas transformações substanciais, é sempre, e necessariamente, a matéria-prima, elemento que não se pode suprimir no composto que precede (o corrompido) e no que segue (o gerado); na transubstanciação, a matéria-prima do pão não faz as funções de sujeito, porque também ela se muda na matéria-prima do corpo de Cristo. O prodígio eucarístico consiste precisamente nesta total conversão da substância do pão na substância do Corpo de Cristo, contra todas as leis da natureza.

          Mas este fato, embora extraordinário, não vai contra os princípios do ser, salvos os quais, tudo é possível, como aliás credível, se depende imediatamente de Deus, Ser-por-essência, que domina a série infinita de todos os seres-por–participação. Tenho de elevar-me a este nível, para aceitar a possibilidade e o fato da transubstanciação.

          Se a natureza transforma o ferro em óxido, permanecendo-lhe imutável ou fixa a matéria-prima ou seja, o sujeito do processo químico...; não vejo por que razão Deus, Criador e Legislador da própria natureza, não possa mudar o pão no Corpo de Cristo, permanecendo o ser – participando por um e pelo outro – o sujeito da conversão de toda a substância do pão na do Corpo de Cristo.

          Isto é evidente que se verifica porque o pão, perdendo o seu próprio modo de ser (que o especifica e diferencia) se muda no modo de ser próprio do Corpo de Cristo, que permanece imutável ou fixo.

          A contradição seria inegável apenas se Deus não modificasse o modo de ser (= a essência) do pão. Seria de fato absurdo supor que o pão, permanecendo essencialmente “pão”, passasse a ser o Corpo de Cristo. Se, no criar, Deus produz o ser, no transubstanciar o pão, Ele Mesmo muda o modo-se-ser do pão; ser que, dominado pela Sua Onipotência, faz as funções – analogamente à matéria-prima – de sujeito da passagem de uma essência para outra.

          A ciência não tem nada a opor a tudo isto; e creio bem que, à mente humana, não seja possível interpretar de outra forma a transubstanciação e, por conseguinte, a origem de uma presença de Cristo não simbólica, mas ontológica, realíssima, segundo o modo de ser da Sua substância corpórea, único traço de união entre o mundo físico dos nossos órgãos sensoriais e a própria Pessoa do Verbo.

 

PRESENÇA INTEGRAL

 

         Se, quando à substância, a presença real do Seu Corpo é certíssima, porque devida às palavras da consagração, pronunciadas sobre o pão; não posso ter dúvida alguma da Sua presença, como PESSOA DIVINA. De fato, o Corpo é Seu, e Ele, a partir do momento em que foi concebido, não poderá nunca separar-Se desse mesmo Corpo: a união hipostática durará por toda a eternidade.

          Ora, o Seu Corpo é organizado e vivo pela alma intelectiva que o informa, tornando-o essencialmente humano: Corpo com a sua estrutura, os seus órgãos, as suas capacidades operativas, as suas relações com o mundo exterior. Completa, por conseguinte, é a sua humanidade, aqui presente em virtude das palavras da consagração; as quais, porém, por si mesmas, se referem apenas à substância do Seu Corpo; enquanto, sob o ponto de vista ontológico, ou seja, por natural concomitância, a substância fica unida de um modo inseparável, com tudo quanto objetivamente lhe pertence, constituindo a perfeição do Verbo Incarnado, como foi gerado por Maria...

         E é por isto mesmo que Ele continua a pensar e amar pela alma que vivifica o Seu Corpo, atualmente ressuscitado e glorioso... Por conseguinte, conhece tudo quanto acontece ao Seu redor: dá-lhe conta das nossas adorações e irreverências, compraz-se com o nosso culto e reprova, sem porém os suportar, os nossos sacrilégios.

         Se, e sempre em virtude das palavras da consagração, a presença eucarística não comporta as dimensões do Corpo de Cristo, nem por isso mesmo o completo dos seus órgãos sensoriais...; é, porém indiscutível que, por natural concomitância, a substância do Seu Corpo não fica dessas dimensões, dispostas segundo a típica estrutura do organismo humano. Por conseguinte, estrutura presente só à maneira da substância, ou seja, como é possível a esta que, oculta aos sentidos, está toda em toda a hóstia consagrada e toda em cada uma das suas partes.

          Precisamente a nível sensível não é possível qualquer mútua relação entre nós e Cristo. Se Ele, com os Seus próprios órgãos sensoriais (presentes apenas à maneira da substância) não pode ver, ouvir, tocar nada de exterior a Si...; nós, com os nossos sentidos, podemos apenas colher ou alcançar as naturais propriedades do pão, e não as do Seu Corpo...

          Mas uma tal condição não O impede de estar presente em nós e nós n’Ele, tratando-se da mais verdadeira presença possível ao Seu e ao nosso pensamento, fundada na conversão da substância do Seu Corpo, realmente vivificado para Sua Alma pensante e amorosa ou amante...

          Por isso, se a transubstanciação se não realizasse a nível físico, não seria possível comunicar com Cristo inteiro ou integral. Onde existe uma hóstia consagrada, está Ele: a substância do Seu Corpo comporta ou inclui toda a humanidade assumida pelo Verbo; substância indicada indispensavelmente pelas propriedades do pão, percebidas pelos sentidos, pelo que o mistério eucarístico se segue ao da Incarnação.